sábado, 27 de novembro de 2010

Desabar

Era como se estivesse imersa em um líquido escuro, o qual não permitia que o ar e nem a luz a encontrasse. Seria ótimo respirar. Sentir novamente o frescor do ar, como em um longo mergulho, onde inicialmente a água é muito afável, mas, aos poucos, torna-se pesada demais e subir à superfície torna-se essencial. Pode-se dizer, até inevitável.
Contudo, ela sentia exatamente o oposto disso. Sentia a água pesada, no entanto não conseguia emergir. Notava um peso em seu peito e tinha a sensação de afundar. Impressão de mergulhar involuntariamente cada vez mais fundo. Pior. Tinha a sensação de ser sugada pela escuridão. Ela desabava na melhor forma possível. Lágrimas.
Inspirou o mais fundo que pôde e, finalmente, levantou-se. Não de forma metafórica. Pôs-se de pé. Andou pela sala e parou de pensar coisas ruins. Tomou um banho para aquecer o corpo e um chá para aquecer a alma. E dormiu para ter pesadelos.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Desfalecida

Desfalecera por dentro. Internamente, cada pedaço de seu corpo havia parado de cumprir suas funções fisiológicas. Não sentia mais seu coração pulsar, não sentia o sangue quente correndo em suas veias. Já não sentia seus pulmões se inflando a cada movimento lento e pesaroso de seu diafragma. Tudo o que sentia era um enorme peso. Um golpe forte como um soco em seu estômago, tirando-lhe o ar repentinamente e deixando-a ofegante no chão. Não importava mais o mundo à sua volta. E, independentemente do tempo que se passasse, ela sabia que nada iria melhorar. A outra nunca voltaria e não haveria mais nada para lhe consolar. Assim, com as mãos trêmulas, ela escrevia em um pedaço de papel sujo: "deixo amor, assim como deixo a vida".

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Esvaiu-se

Sentada, sem ao menos sentir a brisa suave da noite primaveril afagar-lhe as bochechas, estava ela. Parada. Imóvel e fria. Sem saber nem por onde começar a pensar. A vida podia ser tão cruel? Os sentimentos podiam nunca ter existido? Talvez não. No fundo ela sabia que há pouco existira tudo. Todas as coisas boas foram reais. Ela sentiu. Amou. Chorou. Pediu para ficar. Porém a felicidade é uma miragem e a tristeza é a certeza de que a vida segue seu rumo corretamente. 
Levantou a garrafa e tomou mais um gole. Acendeu um cigarro. Tragou. O gosto amargo enfartado de lágrimas tomou conta de seu paladar. Não sabia os motivos de continuar ali. Estática. Não tinha mais nada em que se apoiar. Não havia motivos para levantar da cama ao alvorecer. Não havia nada. Apenas o sabor triste da vontade de ficar que se esvaía a cada sorvo. Quando, de súbito, ela se esvaiu.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Fim.

Olhavam-se intensamente. Era ela, a garota daquela festa, que estava ali. Estática. Encarando-a. Sustentando seu olhar fixamente com os olhos cheios de angústia. A outra tentou fazer de tudo para que aqueles sentimentos ruins não explodissem em lágrimas; no entanto, não obteve sucesso.
Agora os olhares, antes apaixonados, resumiam-se a lágrimas. Não que quisessem, mas era inevitável que os sentimentos fossem canalizados dessa forma. Desejavam mais que tudo que as coisas fossem simples.
Mas nada é simples. Nunca foi. Nunca será.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Premonição

Fizera de tudo para compreender o conhecimento transmitido pelo sábio perito em minerais, contudo, como sempre, pensava que não havia dado atenção suficiente, que não havia estudado o suficiente e, mais uma vez, se daria mal. E foi assim que adormecera: pensando que não havia jeito.
De repente, todos estavam no local onde seria o teste. Os alunos rumavam cada um para seu respectivo microscópio e ele estava nervoso e suando frio. Parecia mais que iria ter um acesso ou sofrer de disfunção intestinal - assim como o Pão - de tanto que suava e tremia, porém tudo isso só era reflexo do ar da insegurança inflando seus pulmões. E, devo dizer, que não era apenas ele que inspirava esse ar rarefeito de certeza. Todos os estudantes, todos os alunos, todos seus amigos suavam, tremiam e mantinham uma expressão de puro pânico em suas faces. Era o teste se aproximando. Até os melhores alunos não se preocupavam em esconder o temor diante de tal atmosfera de tensão. Todos, sem exceção, sentiam medo.
De forma a tentar minimizar o que lhe afligia, ele começou a prestar atenção no local a sua volta e, ao invés de se acalmar, só fez seu medo crescer. Diante de um local desconhecido, que certamente não era uma sala de aula, ele se encontrava. Um local completamente estranho, cheio de água. Água até a cintura, até a altura da mesa. Como se já não bastasse, ainda era cheio de plantas estranhas, as quais criavam uma atmosfera amedrontadora - semelhante a um pântano. Isso só fez com que sua tensão piorasse.
Diante de seus olhos ele podia ver o microscópio reluzindo, olhando para ele como se o desafiasse. Quando menos esperava a sineta tocou e ele teve que começar a olhar o aparelho tentando identificar alguma coisa lá para, posteriormente, escrever na ficha e entregar. Tudo isso valendo nota. A pressão psicológica era enorme.
Seus sentidos começaram a falhar. Em um curto período de tempo se desvencilhou de seu relógio biológico e, assim, não conseguia mais ter noção de quanto tempo passara. Sua boca começou a ficar seca e, por mais que estivesse imerso em água, não podia bebê-la, pois além de lodosa ela estava cheia de Biotita. Isso fazia com que o pântano fosse realmente escuro.
Parecia uma eternidade e repentinamente, logo após começar a entender o que havia naquela lâmina, o tempo de prova acabou. Foi obrigado a devolver a folha parcialmente preenchida para o professor e este já se pôs a corrigir:
- Hum... Negativo? Mas é biaxial positivo, meu caro.
- NÃO! É negativo mesmo! Tenho certeza. Eu vi...
- Veja bem, repare... é positivo.
Nesse instante percebeu que havia se confundido. Todas as questões estavam erradas e, provavelmente, tiraria um zero. "Confundi tudo!", pensava ele. Na mesma hora, o Hurley (http://pt.wikipedia.org/wiki/Hugo_%22Hurley%22_Reyes) desistiu de fazer a prova e mergulhou na água, sacudindo os braços desesperadamente para nadar o mais longe que pudesse. "NÃO QUERO MAIS FAZER ESSA PROVA!!!", ele gritava. Gritava e se agitava tanto na água escura que ele parecia não sair do lugar nunca. Ao contrário, ele parecia afundar. Cada vez mais. E então concluiu-se que a Biotita estava afundando-o. Hurley não sobreviveria.
Hurley sumiu em meio a água negra que cobria metade dos estudantes sentados nas cadeiras e todos ficaram mais amedrontados ainda. O nosso garoto olhava de forma desesperada para os lados, tentando encontrar o seu colega de classe afogado; obviamente, sem muito sucesso. Ao olhar à sua volta ele viu Kitty (http://en.wikipedia.org/wiki/Kitty_Forman) usando o microscópio de uma forma muito estranha. Igual se usa um binóculo. Imediatamente se desesperou e falou em voz alta "O que ela está fazendo?! Não é assim que se usa um microscópio! Preciso sair daqui!".
E então despertou.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Tempestade

Caminhava apressado pela rua. As gotas grossas de chuva embaçavam seus óculos quadrados e o impediam de ver adiante. O vento fustigante cortava seu rosto e fazia a tempestade parecer muito pior. Faixas de luz branca e intensa riscavam o céu escuro de quando em quando; isso o deixava mais irritado ainda. Tinha de andar à pé, embora tivesse um carro. Em sua mão esquerda havia uma sacola de papel. Levava o jantar. Na mão direita, um buquê de rosas ensopado. Nos dedos, um cigarro apagado pelas gotas que caíam sem cessar. Seu terno  ia encharcado, assim como seus sapatos, suas meias, seu cigarro, sua alma e seu jantar.
Apesar do mau-humor e de todo o resto das preocupações que orbitavam a sua cabeça, ele tentava recordar o motivo pelo qual estava levando comida e um presente pra casa nesta noite tão sombria. Recordara-se. Uma briga. Fora uma briga a responsável por todo esse cuidado. Uma nuvem negra pairava sobre um casamento que um dia fora bem-sucedido. A situação o fez pensar que o dia estava perfeito para ilustrar seu casamento, antes um mar de rosas. Por uma mera coincidência, levava rosas consigo e o casamento, assim como a cidade, afundava em torrentes de água.
Apressou-se, afinal era tarde e a rua estava completamente deserta. Ouvia somente o chep-chep de seu sapato encharcado tocando o chão e sua respiração ofegante. Finalmente, depois de uma eternidade, virou a esquina de sua rua. Passou pelo ypê. Árvore cujos galhos e flores serviam de proteção para o Sol em épocas remotas de namoro e promessas de amor. Hoje tudo parecia bobagem. Lembrar de tudo o fazia sentir saudade, contudo também tristeza. Pois ele sentia que o fim estava próximo, conquanto não quisesse admitir. Dessa forma, fazia de tudo para salvar o que sobrou. Recolher os cacos, assim como se faz quando se quebra um copo.
Chegou ao portão. As luzes estavam apagadas. Estranhou. Sua esposa não dissera nada sobre sair à noite. Abriu o portão, a porta e entrou. Acendeu as luzes, tirou os sapatos na porta - ela odiava quando ele andava de sapatos sujos dentro de casa - e encaminhou-se para a cozinha. Preparou a mesa com capricho. Usou, inclusive velas e uma das rosas para enfeitar o ambiente. Colocou o buquê no lugar que ela sentaria e subiu para se trocar.
Ao subir as escadas, percebeu que não estava só. Uma movimentação no quarto pôde ser percebida e ele, antes mesmo de ver o que era, foi até o gaveteiro da cozinha e empunhou seu revólver. Tornou a subir, dessa vez mais cauteloso. Imaginou que seria sua esposa... Com um amante. Isso fez seu sangue ferver. Jurou que mataria os dois, se assim fosse preciso.
Passo a passo, ficava cada vez mais tenso. As gotas, que mais pareciam cascalho, tilintavam nas janelas, deixando o ambiente muito mais pesado e sombrio. Caminhou o suficiente para chegar à porta do quarto até que tocou a maçaneta. Ouviu uma movimentação muito estranha no cômodo. Com um movimento rápido abriu a porta. Não encontrou nada. Apenas um cômodo cuja luz sua esposa se esquecera de apagar. Foi até o abajur e o desligou. Depois disso, em meio à escuridão, ouviu-se um baque surdo. Um tiro. A luz voltou a acender e ele encontrava-se caído, com as roupas embebidas em suor, chuva e sangue. No canto direito do quarto, atrás da porta, sua esposa encontrava-se paralisada de horror. As mãos no rosto cobriam a imagem do marido morto. Agora era viúva.
No canto esquerdo do quarto, escondida ao lado de uma cômoda, estava a melhor amiga de sua esposa, empunhando uma arma de grosso calibre e sem a menor expressão no rosto alvo e angelical. Como uma fria assassina, ela se encaminhou até a viúva e disse: "Pronto, amor. Não chore mais por causa dele." - e se abraçaram.

Siamesas

Compartilharam o mesmo ventre. Não simultaneamente. Estiveram lá em tempos distintos. A primeira ocupara o protetor ventre materno escondendo-se de um mundo em crise. A segunda, ocupara-o se mantendo em segurança dentro da mesma crise, agora agravada, e, lá de dentro, ouvia a primeira dizer: "ela é Bárbara".
A certeza de que já se conheciam antes mesmo de chegarem ao mundo consciente só crescia com o tempo e na mesma medida em que cresciam. Talvez em outras épocas ocupassem lugares próximos. Tão próximos que elas já fossem assim: muito íntimas. E, talvez, a primeira visitasse a segunda, esperando pelos seus agrados com comida boa e farta, feita com carinho e o dom; o dom que hoje ela conhece muito bem e que não parece ser de agora. E a segunda, quem sabe, esperasse notícias boas trazidas pela primeira, ou até mesmo apenas o corpo presente dentro de casa; uma visita agradável.
Hoje, fazem as mesmas coisas. Gostam de tudo - ou quase tudo - igual. Gostam-se mais do que nunca. Entendem-se e desentendem-se apenas com um olhar. Brigam com um gesto e fazem as pazes com dois. E, embora não tenham dividido o mesmo ventre simultaneamente, sentem-se siamesas.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Quando nos tornamos três (ou mais ou menos isso)

Lembrar é um verbo muito complicado para mim. Não que eu tenha vivenciado coisas desimportantes. Acho que sou um tanto quanto distraída mesmo. Enfim, tudo isso foi só para justificar o fato de eu não inserir muitos detalhes na história que hoje contarei.

Tal história aconteceu há seis anos e disso eu me lembro. Foi exatamente na oitava série, no primeiro dia de aula, que eu vi duas garotas MUITO amigas. E dou essa ênfase no "muito" porque as duas eram muito amigas mesmo. Sentavam isoladas de todo mundo e conversavam entre si, e somente entre si. Eu vi aquilo e achei legal, embora meu pessimismo não me permitisse imaginar que algum dia faria uma amizade sequer naquela nova escola.

Fiquei reparando nas duas por um bom tempo, embora até hoje não saiba o motivo exato da minha atenção com essas duas. Talvez fosse por serem tão amigas, ou tão diferentes uma da outra, ou os dois. Depois do intervalo eu resolvi sentar perto delas, quem sabe não puxariam assunto comigo? Dito e feito. A garota mais alta - que depois eu descobriria ser a garota N - olhou para trás. Foi então que eu resolvi, por alguma razão maior (ou divina), falar alguma coisa. Deve ter sido a adrenalina. Eu não teria coragem de falar nada em condições normais. Acho que o fato de ter algum ser desconhecido me olhando fez com que eu criasse uma coragem, antes inexistente, e falasse: "Oi, como você se chama?".
A garota alta simplesmente olhou para sua amiga - que depois eu conheceria também, a garota A - e virou de novo em minha direção respondendo: "Tudo e você?". Nesse momento eu tive duas certezas: elas eram muito malucas e surdas. A garota A havia compreendido o que eu falara no momento e logo começou a rir muito. A garota N, percebendo a confusão, começou a rir também. E eu, vendo aquelas duas malucas rirem e acharem graça das coisas, comecei a rir também.

Acho que eu não esqueço o nosso primeiro diálogo pela maluquice que foi. Não tem como esquecer. Depois disso, nós três fazíamos trabalhos e diversas coisas juntas - apesar de as duas viverem como um casal de anos, brigando e se desentendendo - e eu sempre gostei disso. Sempre gostei de ser uma intrusa louca num casal lésbico, antigo e estranho (acho que depois dessa definição vou apanhar, mas elas parecem mesmo um casal, embora não sejam).
A única coisa que resta dizer é que no futuro espero que as coisas continuem exatamente como são.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Solução

Nunca imaginei que a distância, ao mesmo tempo que fosse um antídoto para os maus sentimentos, também fosse um veneno para os bons. Afastar-se de tudo que se ama é sinônimo de sacrifício, no entanto, tentar é sempre algo a se fazer. Mas estar longe nunca significou estar só, pelo menos para mim.
Agora, à medida em que o tempo passa, um laço gigantesco parece pressionar todos os frágeis músculos do meu coração já seccionado. Cada minuto que eu pacientemente aguardo não parece resolver sequer um milésimo da quantidade de problemas que me cercam. O tempo também não parece esclarecer.
Se "afastar" e "aguardar" já não cabem mais como solução, a que eu recorreria para tornar os dias menos desagradáveis? Não há solução.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Vazio

Como uma caixa sem propósito algum no mundo, ela se encontrava. Um vácuo tomava conta de seu peito, já fatigado pelas desilusões que há muito sofrera. Sentia-se só, porém segura, afinal nada mais podia reabrir as feridas. Nada reavivaria seu tédio, seu ódio, sua tristeza... Agora ela simplesmente existia. Tão só que não sentia o abandono e nem vontade de companhia. Não sentia nada. Apenas o vazio.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Eu te amo

Ah, se já perdemos a noção da hora
Se juntos já jogamos tudo fora
Me conta agora como hei de partir

Ah, se ao te conhecer
Dei pra sonhar, fiz tantos desvarios
Rompi com o mundo, queimei meus navios
Me diz pra onde é que ainda posso ir

Se nós nas travessuras das noites eternas
Já confundimos tanto as nossas pernas
Diz com que pernas eu devo seguir

Se entornaste a nossa sorte pelo chão
Se na bagunça do teu coração
Meu sangue errou de veia e se perdeu

Como, se na desordem do armário embutido
Meu paletó enlaça o teu vestido
E o meu sapato inda pisa no teu

Como, se nos amamos feito dois pagãos
Teus seios ainda estão nas minhas mãos
Me explica com que cara eu vou sair

Não, acho que estás te fazendo de tonta
Te dei meus olhos pra tomares conta
Agora conta como hei de partir.

(Chico Buarque e Tom Jobim)