quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Tempestade

Caminhava apressado pela rua. As gotas grossas de chuva embaçavam seus óculos quadrados e o impediam de ver adiante. O vento fustigante cortava seu rosto e fazia a tempestade parecer muito pior. Faixas de luz branca e intensa riscavam o céu escuro de quando em quando; isso o deixava mais irritado ainda. Tinha de andar à pé, embora tivesse um carro. Em sua mão esquerda havia uma sacola de papel. Levava o jantar. Na mão direita, um buquê de rosas ensopado. Nos dedos, um cigarro apagado pelas gotas que caíam sem cessar. Seu terno  ia encharcado, assim como seus sapatos, suas meias, seu cigarro, sua alma e seu jantar.
Apesar do mau-humor e de todo o resto das preocupações que orbitavam a sua cabeça, ele tentava recordar o motivo pelo qual estava levando comida e um presente pra casa nesta noite tão sombria. Recordara-se. Uma briga. Fora uma briga a responsável por todo esse cuidado. Uma nuvem negra pairava sobre um casamento que um dia fora bem-sucedido. A situação o fez pensar que o dia estava perfeito para ilustrar seu casamento, antes um mar de rosas. Por uma mera coincidência, levava rosas consigo e o casamento, assim como a cidade, afundava em torrentes de água.
Apressou-se, afinal era tarde e a rua estava completamente deserta. Ouvia somente o chep-chep de seu sapato encharcado tocando o chão e sua respiração ofegante. Finalmente, depois de uma eternidade, virou a esquina de sua rua. Passou pelo ypê. Árvore cujos galhos e flores serviam de proteção para o Sol em épocas remotas de namoro e promessas de amor. Hoje tudo parecia bobagem. Lembrar de tudo o fazia sentir saudade, contudo também tristeza. Pois ele sentia que o fim estava próximo, conquanto não quisesse admitir. Dessa forma, fazia de tudo para salvar o que sobrou. Recolher os cacos, assim como se faz quando se quebra um copo.
Chegou ao portão. As luzes estavam apagadas. Estranhou. Sua esposa não dissera nada sobre sair à noite. Abriu o portão, a porta e entrou. Acendeu as luzes, tirou os sapatos na porta - ela odiava quando ele andava de sapatos sujos dentro de casa - e encaminhou-se para a cozinha. Preparou a mesa com capricho. Usou, inclusive velas e uma das rosas para enfeitar o ambiente. Colocou o buquê no lugar que ela sentaria e subiu para se trocar.
Ao subir as escadas, percebeu que não estava só. Uma movimentação no quarto pôde ser percebida e ele, antes mesmo de ver o que era, foi até o gaveteiro da cozinha e empunhou seu revólver. Tornou a subir, dessa vez mais cauteloso. Imaginou que seria sua esposa... Com um amante. Isso fez seu sangue ferver. Jurou que mataria os dois, se assim fosse preciso.
Passo a passo, ficava cada vez mais tenso. As gotas, que mais pareciam cascalho, tilintavam nas janelas, deixando o ambiente muito mais pesado e sombrio. Caminhou o suficiente para chegar à porta do quarto até que tocou a maçaneta. Ouviu uma movimentação muito estranha no cômodo. Com um movimento rápido abriu a porta. Não encontrou nada. Apenas um cômodo cuja luz sua esposa se esquecera de apagar. Foi até o abajur e o desligou. Depois disso, em meio à escuridão, ouviu-se um baque surdo. Um tiro. A luz voltou a acender e ele encontrava-se caído, com as roupas embebidas em suor, chuva e sangue. No canto direito do quarto, atrás da porta, sua esposa encontrava-se paralisada de horror. As mãos no rosto cobriam a imagem do marido morto. Agora era viúva.
No canto esquerdo do quarto, escondida ao lado de uma cômoda, estava a melhor amiga de sua esposa, empunhando uma arma de grosso calibre e sem a menor expressão no rosto alvo e angelical. Como uma fria assassina, ela se encaminhou até a viúva e disse: "Pronto, amor. Não chore mais por causa dele." - e se abraçaram.

Nenhum comentário: